terça-feira, 8 de janeiro de 2013

JÁ – Um concerto em homenagem a Jorge Amado

Já” é o mais novo projeto do Camará, uma homenagem feita por nove compositores baianos ao gênio literário de Jorge Amado, justamente no ano após a enxurrada de comemorações de seu centenário de nascimento, em 2012. “Esta é a ideia: para celebrar Jorge, qualquer tempo é tempo”, explica o diretor artístico do grupo, Paulo Rios Filho. “A hora da homenagem é já!”, completa.

Sete obras inéditas já estão sendo ensaiadas pelo Camará Ensemble. Quatro delas são canções, que utilizam trechos e alusões textuais feitas às obras do escritor, cantados por uma soprano solistas; e outras três são peças instrumentais, baseadas sempre em algumas frases ou histórias inteiras contadas por Jorge.

O concerto de estreia será regido, especialmente, pelo premiado compositor e maestro norte-americano Jack Fortner, admirador da Bahia e da obra de Jorge e especialista em performance de música de concerto contemporânea.

Uma das obras é uma composição coletiva feita por três jovens compositores, estudantes do curso básico da Escola de Música da UFBA – Emilio Le Roux, George Christian e Pedro Garcia –, orientados pelo compositor Vinícius Amaro e pelo diretor artístico do grupo, Paulo Rios Filho. De “catuaba” a “políticos imundos e gordos”, as três miniaturas que compõem a obra coletiva passeiam por diferentes climas sugeridos em frases de obras como Quincas Berro D'Água e Capitães da Areia.

Capitães da Areia foi a obra que inspirou também o compositor Pedro Kröger, para compor a sua lírica Noite no Trapiche. Wellington Gomes decidiu não se ater a uma obra, mas fazer um apanhado de figuras criadas pelo romancista, em Personagens de Jorge. Em tom rapsódico, a cantora anuncia a personagem da vez, acompanhada por uma música de gestos fortes, que descrevem as personalidades evocadas e paisagens marcadamente baianas.

 
Rodrigo Garcia, compositor gaúcho radicado em Salvador, faz dançar três Jubiabás: a obra de Jorge e as canções de Gerônimo e Gilberto Gil. Marcos Sampaio, que é professor de composição na UFBA, estreia a sua obra Octaedro, que constrói uma série de significados especiais do número oito para a vida do escritor baiano. Alex Pochat, figura conhecida na cena rock de Salvador, é o compositor do exórdio da noite, abrindo as portas para a celebração com a reza de “O Vice-Versa”.

Fechando a noite, a obra “A Bahia tá viva!”, de Paulo Costa Lima, é uma salada feita com o texto de uma carta de Dorival Caymmi escrita ao seu amigo Jorge, mais referências à paródias de protesto do cancioneiro baiano, bem como a citações de canções de carnaval da época da juventude de Amado.

O concerto é composto pela participação de diversas formações instrumentais, desde o trio até uma formação de orquestra de câmara, com o total de dez instrumentistas, além dos cantores, solistas das canções. Com um pé fora do formato típico de concerto, o espetáculo envolve também a interação com vídeo, bem como a intervenção de material sonoro pré-gravado. 

Já é uma realização do Camará Ensemble, com produção da Agência Agosto e conta com o especial apoio da Escola de Música da UFBA, do Restaurante Grão de Arroz/Viva o Grão, Armazém do Reino e Hotel Boutique A Casa das Portas Velhas.  

sábado, 5 de janeiro de 2013

O Camará Mirim e O Mundo das Baratas

– "Vamos fazer a trilha sonora de um filme! Só que sem ter um. O que vocês acham dessa história de fim do mundo?" (eram vésperas de 21/12/12)

Após um vai e vem de palpites, alguém lembra de algo lido por aí:

– "As baratas! Elas serão as únicas que vão sobreviver!"

Sem humanos assustados martelando-as sandálias em exoesqueletos frágeis, estariam no topo da cadeia, prontas para a evolução, que culminaria, por fim, em seu desenvolvimento cognitivo, domínio de ferramentas, desenvoltura social. 

Dentro de alguns milhares, ou quem sabe centenas de anos, a terra seria um planeta diferente, O Mundo das Baratas.

Qual o cenário desta trama obscura (para nós, não para as baratas)? O que esperar de uma música que é a trilha sonora desta previsão macabra? 

"Yuri, este solo está muito jazzístico para entrar numa trilha de terror."
Após esboçarmos em conjunto a narrativa que daria corpo à primeira composição da turma de Criatividade e Composição Musical do Camará Mirim, fui para casa e deixei com eles a missão de imaginar a trilha sonora deste "filme". Eu também preparei a minha, é claro. Tinha que ter algo na manga, caso não levassem ideia alguma. 

Ainda bem! Não levaram nada. É claro, tinham mais com o que se preocupar na escola (período de provas), fazer outras oficinas durante a semana e brincar. Eu tinha que mostrar que essa história maluca de trilha sonora poderia funcionar.

Levei equipamento básico de gravação e um gráfico com o rascunho da música – com nada de notação musical tradicional.  Na mochila, ainda, uns frascos de metal que temos em casa, daqueles de guardar biscoito.

Luely se prontificou a operar o computador para a gravação. Logo aprendeu todas as manhas do software e comandava toda a dinâmica de estúdio: – "Êpa, peraí, agora não! Silêncio. 1, 2, 3 e... vai!"

Fomos gravando pedacinho a pedacinho, de acordo com o que eu tinha imaginado. 

Até a terceira tomada, tudo estava seguindo o meu gráfico. A partir da quarta, os meninos começavam a interferir e eu ia acatando as sugestões: – "Professor, já repetiu demais isso. Vamo agora fazer aquilo"; – "Agente bateu o sino seis vezes, depois quatro, agora vamos dar só duas batidas".

Quando a gravação estava para começar...
No final das contas, tínhamos uma nova peça gravada, resultado das interferências das ideias de Luely, Felipe, Ângelo, Yuri, Clara, Lucas e todos os outros em cima da minha proposta, que acabou toda deformada e, cá para nós, bem melhor. 

Em casa, editei o material e adicionei alguns filtros, efeitos, transposições para criar novos sons, sempre a partir dos que foram gravados com os meninos, e trazer outros timbres e cheiros para a história que estava já ali, toda contada.

Na aula seguinte, apresentei o resultado e animação foi geral. Afinal, eles ouviam que o que tinham feito na aula passada tinha se transformado numa "trilha de filme de terror," como muitos exclamaram ao ouvir a prévia.

A segunda parte do trabalho: compor trechos da peça que seriam gravados pelos alunos de flauta doce, do Prof. Flávio Hamaoka.

Usando os mesmos potes de metal de biscoitos, sorteamos conjuntos de quatro, cinco e sete notas para seis seções diferentes da música, onde as flautas entrariam. À medida que íamos sorteando o que viria a ser a nossa harmonia, eles iam relembrando os nomes e os lugares de cada nota musical, ao piano. Por fim, tocávamos os acordes – nada de dó maior, ré menor, imagine! – e eles tinham que fazer uma relação entre aquele som e algum sentimento ou paisagem que fizesse sentido dentro da nossa composição, do nosso "filme". 

Depois disso, sorteamos a textura de cada uma dessas seções. As flautas poderiam tocar aquelas notas sorteadas de quatro jeitos diferentes: a) notas longas tocadas juntas; b) notas longas com ataques defasados; c) notas curtas tocadas juntas; d) notas curtas com ataques defasados.

Luely tomava nota de tudo e, pimba!: estávamos com a parte das flautas já preparada.

Na aula seguinte, juntamo-nos à turma do Prof. Flávio, que orientava cada um dos alunos sobre que notas cada um deveria tocar e de que jeito (notas longas, curtas, etc.). Gravamos tudo sem nos preocuparmos com uma ordem ou com a sincronização com o que já estava pronto e gravado, da composição. Depois, na edição, daríamos um jeito nisto. 

Para finalizar, tivemos ainda um solo feito por Flávio, que entraria ao final da música, num momento em que a percussão ficava mais ao fundo, antecedendo a entrada da fala: "Era uma vez o mundo dos homens. Chegou a hora do mundo das baratas!"

Por fim, "O Mundo das Baratas" – a trilha sonora de um filme inexistente, primeira criação da turma de Criatividade e Composição Musical do Camará Mirim: